(Por Sônia Soares*)
Preocupados em não perder votos dos fiéis, os candidatos à Presidência no segundo turno apressaram-se em fazer o discurso ‘em defesa da vida’.
Relendo o livro ‘EM QUE CREEM OS QUE NÃO CREEM’, onde Umberto Eco, que se diz ateu, discute com o então cardeal romano Carlo Maria Martini, deparo-me com a questão do aborto.
Umberto Eco questiona o teólogo sobre a ‘vida', onde tem início, o que é?
Martini corrige e diz que o que está em questão não é a VIDA, mas que o ‘espinhoso problema ético refere-se à vida humana’. Ocorre que também sobre isto, o cardeal esclarece as inúmeras imprecisões, por exemplo, ao se dizer que a vida humana é o valor supremo para os católicos. Citando Mateus (10,28), ele diz que a vida que tem valor supremo para os Evangelhos é a ‘vida divina comunicada ao homem’. Ao retomar a divisão feita por Aristóteles entre zoé (vida física, biológica) e bios (vida do animal político, ou seja, o homem), Carlo Maria Martini ainda acrescenta o termo psyché para se referir à vida psíquica. Assim sendo, e unindo os três termos, ele afirma que � ��o valor supremo é o homem vivente da vida divina’.
Entretanto, a grande questão para o direito que precisa legislar sobre isso, é o limite, ou seja, quando e onde começa a vida. Umberto Eco provoca o cardeal ao perguntar: se vida e humanidade já estão no sêmen, podemos considerar que seu desperdício é um delito comparável ao homicídio? Para o criacionismo, a alma é introduzida no feto diretamente por Deus, e por isso, a Igreja repudiou o traducionismo de Tertuliano, para quem a alma (e com ela o pecado original) é transmitida através do sêmen.
A esse respeito, o cardeal aponta que, hoje, diante dos conhecimentos da ciência, a Igreja admite que a partir da concepção nasce um ser novo. Daí que ele não faz o apelo genérico (que estão fazendo Serra e Dilma) de defesa do ‘direito à vida’, mas reconhece que se trata de uma responsabilidade em relação a alguém, que deve ser objeto de afeto e cuidado.
E aqui se encontram as propostas de Dilma e Serra, seguindo a cartilha católica. O conflito, uma vez estabelecido, ou seja, não havendo a possibilidade deste afeto e deste cuidado, então civilmente deve ser resolvido por meio da ‘ajuda’ e do ‘apoio’. Daí a visita de Dilma à instituição religiosa das freiras e o programa de Serra ‘apoiando’ as futuras mamães...
Para concluir o debate com Eco, o cardeal deixa em aberto seu segundo questionamento, sobre ‘onde começa a vida’, afinal, a Igreja ‘celebra mistérios’ (como no caso do sacerdócio permitido apenas aos homens). Já no caso da atuação dos nossos candidatos, não ha qualquer mistério...
______________________________________________
*Sônia Soares (nutricionista, mestre em filosofia, servidora da UFRN e volutária da STVBrasil)
"O direito nunca deve se adaptar à política, mas é a políta que sempre se deve ajustar ao direito". (Kant)