Luiz Holanda*
.................A podridão existente em todos os setores e poderes da República
poderia ser higienizada se os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
tivessem a coragem de condenar os réus do chamado processo do mensalão. Antes se
dizia que o crime não compensa. Hoje, ninguém acredita nisso, pois o espetáculo
que a sociedade assiste é que o crime, dependendo da categoria do criminoso, não
só compensa como dá segurança e riqueza. Que o digam os criminosos de colarinho
branco, que fizeram fortuna assaltando os cofres públicos. O crime só não
compensa quando praticado por um pobre necessitado, que ainda não percebeu que
também poderia se tornar impune se trocasse a violência pela astúcia. Os
bandidos, por mais honoráveis que sejam devido aos cargos que ocupam, sempre
triunfaram na ignomínia. O leque que afrouxa as fibras do tecido social abrange
políticos, empresários, educadores, jornalistas, juízes, desembargadores e
ministros dos tribunais superiores. Vez por outra se descobrem quadrilhas
especializadas em sangrar os cofres públicos praticando todas as espécies de
crimes, maquiavelicamente arquitetados. A do mensalão foi apenas mais uma. O
problema é que as denúncias acabam por atingir o STF, ocasião em que a decepção
é ainda maior. Segundo a Constituição, para ser ministro de nossa suprema corte
o candidato deve ter, no mínimo, trinta e cinco anos de idade, reputação ilibada
e notável saber jurídico. Quanto a esse último item, alguns conseguem enganar
pela verborragia de seus pronunciamentos: longos, repetitivos, históricos,
românticos e literariamente populescos. Quanto ao item “reputação ilibada”,
nossa suprema corte jamais registrou um momento tão negativo quanto o atual.
Tendo ampla soberania para decidir como quiser, não encontra nenhum poder capaz
de contestá-lo. O Conselho Nacional de Justiça, que ensaiou alguma reação contra
os crimes praticados por alguns magistrados, vez por outra tem suas decisões
anuladas pelo STF. Não é sem razão, pois, que essa soberania leve alguns
magistrados à prática de delitos que, antes, era prerrogativa dos integrantes do
Congresso Nacional.
.................Tantas são as denúncias publicadas pela imprensa que o jurista
Dalmo de Abreu Dallari, à época da indicação de um deles, afirmou que aquilo era
um achincalhamento para a suprema corte. Quando não se denuncia a prática de
algum ato ilícito, critica-se o comportamento. As críticas contra o ministro
Marco Aurélio Mello, por exemplo, são de que ele é autor de várias sentenças
chocantes e contraditórias. Em uma delas absolveu um latifundiário por prática
de sexo com uma menor de 12 anos. Sua justificativa foi que a menina tinha
conhecimento e consciência do fato, e que sua mãe (uma pobre necessitada) havia
sido a intermediária na “negociação” com o fazendeiro. Esse mesmo ministro foi
quem concedeu o habeas corpus que permitiu ao banqueiro Salvatore Cacciola fugir
para a Itália. Além disso, foi o único a conceder a mesma medida a Suzane Von
Richthofen, condenada por ter assassinado os próprios pais. É de sua autoria a
maldita frase de que a “golpe militar foi um mal necessário”. Recentemente,
contrariando decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), julgou a favor dos
magistrados acusados de recebimento de vantagens indevidas. E, por último, votou
pelo desmembramento do processo do mensalão, o que, com certeza, levaria à
prescrição dos crimes. Deverá votar pela absolvição dos mensaleiros.
.................A descaracterização do STF não é de agora, mas se acentuou com
a ditadura. Para dobrar os ministros resistentes ao arbítrio, os generais de
plantão cassaram vários deles, entre os quais, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva
e Vitor Nunes Leal. Com o aumento da tecnologia da informação, suas excelências
se tornaram midiáticos, principalmente depois do mensalão, que lhes proporcionou
deitar falação sobre suas qualidades como poetas, cantores, lutadores de caratê
e motoqueiros. Outro ministro, Dias Toffoli, cuja presença no julgamento está
sendo questionada até por seus próprios colegas, fez sua carreira vinculada ao
PT, além de ter sido assessor e advogado de José Dirceu. Esse ministro foi
reprovado em todos os concursos que fez para a magistratura. Por último, foi
acusado pela advogada Christiane Araújo de Oliveira, que se disse sua amante, de
ter-lhe oferecido importantes informações e acessos privilegiados à mais alta
roda do poder. Seu colega, ministro Lewandowski, indicado pelo ex-presidente
Lula, é partidário da mesma tese inventada por Thomaz Bastos e defendida pelo
ex-presidente e pelo PT, ou seja, de que não houve corrupção, mas sim caixa
dois. Em seu relatório ele faz restrições quanto à impossibilidade de defesa dos
réus, principalmente em relação ao ex-chefe da Casa Civil, sobre quem já
confessou que “o negócio era amaciar para o José Dirceu”. Também votou pelo
desdobramento do processo. Aliás, ele sempre defendeu a prescrição dos delitos
do mensalão. Como ninguém será punido, esse julgamento já está sendo considerado
a farsa do século. Se isso acontecer - e parafraseando Públio Siro-, os
condenados serão os ministros, já que os culpados foram absolvidos.
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*Luiz Holanda - advogado e professor de Ética e de Direito Constitucional da UCSAL.
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