Por Perceval Carvalho
Era um sábado desses do interior nordestino, nas primeiras horas quentes da noite, quando parece que o sol foi-se embora e esqueceu o fogão aceso depois do almoço.
Era um sábado desses do interior nordestino, nas primeiras horas quentes da noite, quando parece que o sol foi-se embora e esqueceu o fogão aceso depois do almoço.
Dona Xiquinha, de Luiz do Ford, me dizia, entre um gole e outro de café, daqueles que a xícara não pode balançar muito na mão para não espantar a borra presa no fundo, que as coisas hoje em dia estão meio esquisitas.
- Foi Nico! Não, foi Dedé de Zabé das cocadas! Ah, eu não lembro bem quem foi agora, mas sei que foi mais ou menos assim.
Depois de escorar bem as costas na cadeira de balanço, levantar os óculos e esfregar bem o velho lenço bordado a mão para tirar o suor do rosto, reajustar os óculos e, enfim, dar aquela olhada profunda para o horizonte (daquelas que a gente pensa que ela nem iria mais voltar) ela começa a falar e me conta esse causo.
Segundo ela, foi num domingo, equinócio de primavera. O povo se juntava no quintal da casa de Joca e a todo instante chegava homem de tudo quanto é lugar. Os meninos de Joca brincavam de roladeira e fazenda de boi com as pequenas mangas ainda verdes que caíam das mangueiras e que, com palitos, eles faziam as pernas e era gado a perder de vista. De longe se ouvia os berros e, aqui e ali, se via sair, pelo beco lateral da velha casa, um ou outro com um galo ensanguentado que perdera a luta contra o vencedor. Joca se animava e, insensível a violência que se abatia sobre os animais, fazia de sua casa uma rinha.
Tudo seguia como se aquilo fosse algo normal, até que a vizinha dona Judite, que há muito nutria verdadeira ojeriza pela mulher de Joca, em razão de um bate boca causado por causa de um lençol que sumiu da cerca do seu quintal, chamou a polícia.
Foi um verdadeiro alvoroço, um fuzuê. Corria homem por cima da cerca, galo por baixo da cama, menino por baixo da porta e, em fim, Joca era pego com a mão na botija ou com a mão no galo.
Agarrado pelo gogó e encostado no canto da parede, Joca tremia que mais parecia uma vara verde e, naquelas alturas, nem se lembrava mais do próprio nome.
A autoridade presente, um sargento baixinho e arrochado que só bomba de sete tiros, interrogava Joca insistentemente para que lhe revelasse a quem pertencia os galos que ali se encontravam. O pobre Joca, ainda no calor do solavanco, tentava entender o que acontecia e murmurava coisas sem sentido.
Depois de um tempo, vendo que não iria tirar de Joca qualquer informação, o sargento decidiu:
- Solta o Joca e prende os galos! Recolhe tudo e bota na viatura!
Segurando o queixo com uma das mãos, Joca, sentado no tronco de coqueiro que servia de banco na calçada da frente da sua casa, fitava, de longe, as cabeças dos galos que subiam a ladeira no porta-malas da viatura policial.
Tempos depois, ouviam-se rumores de que, não havendo prisão própria para tais, os galos foram levados para pagar suas penas nas panelas de alguém.
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Ilustração: Pedro Augusto
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