No Maranhão, os integrantes da página dos Black Blocs no Facebook contam a
história da Balaiada, movimento popular rebelde formado por "escravos
aquilombados e caboclos" que tomou a segunda maior cidade do Maranhão no século
19. Os de São José dos Campos colocaram na internet a imagem da "mãozinha do
curtir" segurando um coquetel molotov.
Já os goianos, assim como os demais, se dizem anarquistas e afirmam que "sua
"pátria é o mundo inteiro" e "sua lei é a liberdade". No Pará, a bandeira
brasileira está pintada de preto e vermelho, com o "A na bola", símbolo do
anarquismo, no lugar do Ordem e Progresso.
Quase dois meses depois do começo dos protestos do Movimento Passe Livre
(MPL), discussões virtuais e presenciais sobre o uso da violência como
estratégia política nas manifestações de rua já são feitas em 23 Estados. Por
enquanto, só Amapá, Tocantins, Sergipe e Acre ainda não têm fóruns de internet
dos Black Blocs.
A página mais popular dos Black Blocs no Facebook é a do Rio, com mais de 18
mil seguidores. Em São Paulo, além da capital e de São José dos Campos, outras
cinco cidades têm fóruns de discussão anarquistas (Ribeirão Preto, Rio Preto,
Rio Claro, Piracicaba e Sertãozinho). Os cearenses fizeram o documentário Com
violência, sobre as ações do grupo na Copa das Confederações, com mais de 50 mil
acessos no YouTube.
No 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, eles pretendem promover um
"badernaço" nacional. A articulação vem sendo feita na página do Black Bloc
Brasil, com quase 40 mil seguidores. "Muitos dos jovens que estão usando essa
estratégia da violência nas manifestações vieram das periferias brasileiras.
Eles já são vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os
protestos violentos passam a fazer sentido para eles", afirma o professor Rafael
Alcadipani Silveira, coordenador de pesquisas organizacionais da Fundação
Getúlio Vargas (FGV-SP). Silveira tem acompanhado as discussões virtuais dos
anarquistas e esteve nos últimos dois protestos.
História. Inspirada inicialmente em ativistas alemães, que atuavam de preto e
com máscaras de gás como segurança nas manifestações nos anos 1990, a estética e
ação Black Bloc se fortaleceu principalmente depois de ganhar os Estados Unidos,
onde o pacifismo era discurso hegemônico graças às vitórias nas lutas pelos
direitos civis, lideradas por Martin Luther King Júnior, e às passeatas hippies
contra a Guerra do Vietnã, sob o lema "faça amor, não faça guerra".
Atos de depredação em Seattle, em 1999, que impediram diversos delegados de
chegarem à reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), conseguiram
provocar o debate sobre o papel da violência nas manifestações. Uma das
referências do debate foi o livro Como a não-violência protege o Estado, do
ativista americano Peter Gelderloos, que já passou duas temporadas em prisões
americanas e espanholas.
Esses manifestantes passaram a argumentar que depredação não é violência, mas
uma intervenção simbólica que atinge o cerne do capitalismo: a proteção à
propriedade. De acordo com essa filosofia, seriam atos violentos somente as
ações que ferem os indivíduos.
"Depois de Seattle, os movimentos sociais passaram a aceitar a violência como
uma das estratégias políticas e a debater abertamente a questão", explica o
filósofo Pablo Ortellado, coautor do livro Estamos Vencendo! (Conrad), sobre os
movimentos autonomistas no Brasil. Além da estratégia dos Black Blocs, há nos
movimentos globais as ações lúdicas e festivas (chamadas de Pink Blocs),
estratégias no Brasil representadas pelas Paradas Gays, Marchas da Maconha e das
Vadias, e as pacifistas (White Blocs).
"Não se pode dizer que alguém é do grupo Black Bloc, já que se trata de uma
estratégia de ação. Ainda que seja adepta da violência nas manifestações, a
pessoa pode variar suas atitude conforme a situação. As ações nas ruas podem ser
de resistência e pacifistas, conforme a necessidade. O integrante de um
coletivo, por exemplo, pode usar essas diferentes formas de ação de acordo com o
protesto", explica um integrante do coletivo Desentorpecendo a razão, que pediu
para não se identificar. "Não há repressão na Parada Gay, por exemplo. Por isso,
nunca haverá Black Blocs nesse evento."
Na atual fase brasileira, onde o Estado está em descrédito, a moda da
violência e da anarquia acabou pegando mais do que as outras, contagiando
rapidamente a nova geração de jovens. Ortellado acredita que é só uma fase, já
vivida pela Argentina e pela Espanha em épocas de crise política. "São momentos
de indignação", diz. A violência, no entanto, costuma escurecer qualquer bola de
cristal.
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Fonte: Estadão
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