A Justiça Federal do Paraná aceitou nesta terça-feira (20) a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Agora, o ex-presidente vira réu e será julgado pelo juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato que não envolvam pessoas com foro privilegiado. Lula também responde a outro processo sob acusação de atrapalhar as investigações sobre o petrolão.
Caso seja condenado por Moro e também em segunda instância, pelo TRF (Tribunal Regional Federal), Lula se tornará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. O petista afirma ser inocente e diz ser alvo de perseguição política.
Lula foi apontado pelo Ministério Público Federal como beneficiário direto de R$ 3,7 milhões de propina, paga pela empreiteira OAS, que seria oriunda de contratos da Petrobras.
Segundo a acusação, o dinheiro foi investido na reforma do tríplex no litoral paulista, que seria destinado ao ex-presidente. A OAS também pagou pelo transporte e armazenamento de bens pessoais do petista de Brasília para São Paulo, após o término de seu governo.
No despacho que acatou a denúncia, bastante criticada pela defesa do ex-presidente, Moro afirmou que a aceitação "não significa juízo conclusivo" quanto à culpa dos acusados, apesar de poder provocar "celeumas".
Para o juiz, não cabe neste momento um "exame aprofundado das provas", mas sim avaliar se as acusações se sustentam "em substrato probatório razoável".
"Tais ressalvas são oportunas pois não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-Presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie", escreveu.
"Tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado."
Moro pondera que, segundo os indícios colhidos até aqui, há um "modus operandi consistente" do ex-presidente ao usar o nome de terceiros para suposta ocultação de patrimônio —o que teria ocorrido não só no tríplex do Guarujá, como também no sítio em Atibaia (SP), cuja propriedade está sob investigação.
O juiz menciona depoimentos de zeladores, porteiros, síndicos e até mesmo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, como indícios da ocultação do patrimônio.
"Há razoáveis indícios de que o imóvel em questão teria sido destinado, ainda em 2009, pela OAS ao ex-Presidente e a sua esposa, sem a contraprestação correspondente, remanescendo, porém, a OAS como formal proprietária e ocultando a real titularidade."
'CAIXA GERAL'
As vantagens indevidas, sustenta a denúncia, teriam saído de um "caixa geral" de propinas devidas ao PT pela OAS, abastecido com o desvio de verbas da Petrobras.
A Folha revelou que esta informação só aparece no esboço da delação do empresário Léo Pinheiro, sócio e ex-presidente da OAS, cujas negociações foram interrompidas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
A acusação é essencial para caracterizar corrupção, segundo advogados ouvidos pela reportagem. O uso de uma informação que não aparece no inquérito pode abrir um flanco para a defesa contestar as acusações.
A força-tarefa argumenta que a reportagem da Folha chegou a uma conclusão falsa, e afirma nunca ter usado qualquer informação das tratativas do acordo com Pinheiro.
Segundo os procuradores, o sistema de "caixa geral" de propinas é conhecido das investigações e foi corroborado por provas e depoimentos de colaboradores -entre eles, o do ex-senador Delcídio do Amaral, que diz que os pagamentos a Lula foram feitos "pelo conjunto da obra", e não por um contrato específico.
Sobre o tema, Moro argumenta que o vínculo entre o "caixa geral" de propinas e as vantagens pagas ao ex-presidente depende do que vier a ser demonstrado durante o processo, mas que há "justa causa" neste momento para o recebimento da denúncia.
O juiz ressalta que executivos da OAS já foram condenados, em primeira instância, pelo esquema de corrupção na Petrobras -e que, portanto, os contratos da Petrobras são "uma provável causa e fonte" dos supostos benefícios a Lula.
"A demonstração de que [os pagamentos a Lula] estão relacionados ao esquema criminoso que vitimou a Petrobras, ou seja, às propinas acertadas pelo Grupo OAS no contratos com aquela empresa, é uma questão probatória, a ser resolvida após o contraditório e à instrução", escreve o juiz.
'MAESTRO' DO ESQUEMA
A força-tarefa da Operação Lava Jato ainda apontou Lula como "o comandante máximo" do esquema de corrupção na Petrobras, apesar de não tê-lo denunciado sob essa acusação —o que foi criticado por juristas e pela defesa do próprio ex-presidente.
Os procuradores argumentam que essa acusação, apesar de exposta na denúncia, está sob investigação no STF (Supremo Tribunal Federal), e que não seria da competência da força-tarefa –o que é asseverado por Moro.
Na decisão desta terça (20), Moro pondera que as provas que apontam a participação de Lula e seu conhecimento da corrupção na Petrobras formam um "elemento probatório questionável".
Para ele, porém, esses fatos não foram descritos gratuitamente pelo MPF, já que ajudam a caracterizar as vantagens supostamente recebidas pelo ex-presidente "como propinas em crimes de corrupção, e não meros presentes".
Além do ex-presidente, se tornaram réus a ex-primeira-dama Marisa Letícia; cinco executivos da OAS (Léo Pinheiro, Agenor Franklin Medeiros, Paulo Gordilho, Fábio Yonamine e Roberto Moreira Ferreira); e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Este último é acusado de ser responsável pelo contrato de mudança do acervo de Lula, também pago pela OAS.
Lula ainda é alvo de outros dois inquéritos na Lava Jato, que apuram se ele é o real proprietário de um sítio em Atibaia (SP) e se as palestras dadas pelo ex-presidente após deixar o governo foram pagas com dinheiro oriundo de corrupção. As investigações estão em andamento.
Sobre Marisa Letícia, Moro diz "lamentar" sua acusação e afirma que há "dúvidas relevantes quanto ao seu envolvimento doloso", especialmente se ela sabia do suposto esquema.
Para o juiz, porém, o papel da ex-primeira-dama na aparente ocultação da propriedade do tríplex é suficiente para justificar a denúncia.
OUTRO LADO
Em pronunciamento no dia seguinte à denúncia, o ex-presidente Lula reafirmou sua inocência, chamou a ação dos procuradores de "show pirotécnico" e afirmou que iria a pé à delegacia caso sua corrupção fosse provada.
A defesa do petista, para quem a apresentação da denúncia foi "um espetáculo judicial e midiático", sustenta que Lula nunca foi proprietário do tríplex.
O edifício, que estava sendo construído pela Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários), teve uma cota adquirida por Marisa Letícia em 2005. A ex-primeira-dama, porém, optou por receber de volta o dinheiro investido ao final da construção, o que foi feito em novembro de 2015.
O casal, segundo a defesa, visitou o apartamento apenas uma vez e não teve interesse de comprá-lo.
Para o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, a acusação tem cunho político e a Operação Lava Jato visa, desde o seu início, "impor uma condenação a qualquer custo para o ex-presidente Lula e para Marisa Letícia".
O advogado de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes, diz que não houve vantagem ilícita, e que a mudança dos bens de Lula envolve "um acervo considerado como patrimônio cultural brasileiro de interesse público".
"A nota fiscal [da mudança] foi emitida em nome da empresa que contribuiu, a OAS, e não houve qualquer falsidade", argumentou a defesa, em nota.
Procurada, a OAS afirmou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar sobre a denúncia.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1814918-moro-aceita-denuncia-lula-vira-reu-pela-2-vez-na-lava-jato.shtml
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