Estado deve impedir práticas confessionais em sala de aula na
rede pública, não para reprimir a fé, mas para garantir liberdade
religiosa
Há quase cem anos, um adolescente mineiro foi expulso do colégio
de jesuítas onde estudava. Seu nome: Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987).
O motivo da expulsão também ganhou notoriedade: a
"insubordinação mental" de que o acusavam tornou-se, com o passar dos anos, uma
das muitas distinções da biografia do poeta.
Também mineiro, e com a mesma idade (17 anos) que tinha o
escritor naquele episódio, o estudante Ciel Vieira "insubordinou-se", por assim
dizer, diante de uma professora de geografia do seu colégio, na cidade de Miraí,
a 355 km de Belo Horizonte.
A professora tinha por hábito iniciar as aulas rezando o Padre
Nosso. Ateu, o estudante não acompanhou a classe na oração. A professora reagiu,
dizendo ao jovem que ele não tinha Deus no coração e nunca seria nada na
vida.
O caso ganhou repercussão, dando respaldo à atitude do estudante
-que, com razão, não vê motivo para ser obrigado a rezar numa escola da rede
pública.
Seria mais confortável, é claro, fingir uma adesão superficial
ao rito. A atitude de independência do estudante se inscreve, todavia, num clima
ideológico e cultural que se diferencia dos padrões de indiferença e acomodação
típicos do Brasil de algumas décadas atrás.
Dos protestos contra a presença de crucifixos em repartições
públicas ao questionamento judicial, por parte da União, dos critérios que devem
reger o ensino religioso nas escolas, avolumam-se iniciativas para afirmar com
mais nitidez o princípio da laicidade do Estado.
Ao mesmo tempo, vê-se em toda parte uma tendência, se não para o
fundamentalismo religioso, pelo menos no rumo de um proselitismo militante. É
uma manifestação legítima, desde que não resvale para a imposição ao público de
valores e práticas cuja adoção constitui matéria de foro íntimo.
Denominações cristãs diversas fazem valer seu poder como
mecanismos eleitorais. Bancadas parlamentares religiosas se organizaram em todos
os níveis da Federação. A TV aberta promove intensamente este ou aquele
credo.
Por demagogia ou convicção, surgem mesmo casos em que políticos
quebram explicitamente o princípio da neutralidade do Estado em questões
religiosas. Foi o que aconteceu em Ilhéus, onde vereadores e prefeito tornaram
obrigatória a oração do Pai Nosso nas escolas municipais.
Casos assim podem parecer localizados e desimportantes. Todavia,
a ideia de que o Estado não deve se imiscuir nas questões de fé tem uma
relevância cada vez maior.
Não se trata de uma questão de militância ateísta -o que está em
jogo é a liberdade de todas as religiões, indistintamente, para conviverem de
forma pacífica, sem favor nem perseguição do poder público.
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Fonte: UOL (Editoriais - 06/04/2012)
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