Antes mesmo do Tribunal Superior Eleitoral divulgar dados dos doadores que
financiam as campanhas, Márlon Reis, um dos idealizadores da Ficha Limpa, já
havia adotado a medida em João Lisboa e nas cidades de Senador La Rocque e
Buritirana, no interior do Maranhão. Magistrado virou referência na busca pela
transparência no processo eleitoral.
Em João Lisboa (a 625 km de São Luís), um juiz
eleitoral se tornou sinônimo de luta para tentar tornar as campanhas dos
candidatos mais transparentes. Um dos idealizadores da ação popular que resultou
na Lei da Ficha Limpa e professor de direito eleitoral, Márlon Reis criou um
blog e exigiu que os candidatos das três cidades que estão sob sua jurisdição
divulgassem quem são os financiadores das campanhas.
Na pequena comarca do sul do Maranhão, o Estado mais
pobre do Brasil, Reis foi o primeiro juiz do país a baixar a medida, com base
na Lei de Acesso à Informação, determinando que as duas prestações de contas
parciais dos candidatos informem os nomes e dados dos doadores.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou o mesmo
modelo e, no último dia 24, publicou, com base no mesmo argumento do acesso à
informação, os dados das doações de todos os candidatos a prefeito e vereador do
país. Até então, os candidatos e as campanhas só eram obrigados a revelar tais
dados após o pleito.
Para garantir a publicação das prestações de contas em
seis de agosto, Márlon criou um blog em um site público, já que, até então, o
sistema da Justiça Eleitoral não permitia tal divulgação.
“O que ocorreu é que Lei de Acesso à Informação, que é
mais recente, revogou o dispositivo da Lei Eleitoral que omitia esses dados. E
eu baixei um provimento informando isso aos candidatos”, explicou. O mesmo
argumento foi usado pela presidente do TSE, Carmen Lúcia, para defender a
liberação dos dados ainda durante as campanhas eleitorais.
“Eles [do TSE] pegaram a repercussão da decisão que eu
e outros juízes começamos a baixar pelo país. Não tenho dúvida que foi uma
decorrência da nossa ação, que teve grande repercussão nos meios de comunicação.
Tanto que usaram os mesmos fundamentos jurídicos. Eu passei o fim de semana em
estado de graça, ao saber que o TSE seguiu a mesma linha”, disse
Reis.
Mais transparência
Mas engana-se quem pensa que o juiz se dá por
satisfeito. Um novo provimento baixado nesta quinta-feira (3) deve tornar a
prestação de contas ainda mais clara para eleitor e órgãos de
fiscalização.
“Com a revelação dos números apareceu outro problema:
muitos candidatos estão usando os partidos políticos para omitir dados. Isso
ocorreu no país inteiro, especialmente nas grandes cidades. Não basta dizer que
o dinheiro veio do partido. O novo provimento é para que os candidatos informem
de onde veio o dinheiro do partido, pois ele não brotou do chão e tem que ter
uma fonte declarada", disse.
Além de Márlon Reis, outros 12 juízes dos Estados do
Mato Grosso, Amazonas, Bahia, Tocantins e Paraná, além do Maranhão, baixaram
medidas similares no mesmo dia, com o mesmo conteúdo.
Reis exemplifica onde estaria o problema: “Tem
candidato que recebeu até R$ 2 milhões do partido. Só que os partidos não têm
essa verba. O que acontece é que os partidos vão atrás do dinheiro, conseguem,
mas sem vincular os nomes dos verdadeiros doadores. As empresas doam ao partido,
que repassam ao candidato. É fraude. Os partidos só vão prestar contas em abril
do próximo ano, o que impossibilita uma ação eleitoral, em caso de
irregularidade.”
O juiz explica que o candidato que não prestar contas
de forma correta –e com a inclusão da origem do dinheiro repassado pelo partido—
poderá perder o cargo, caso seja eleito.
“Se eles não prestarem a informação completa, vão
incorrer em um ato ilícito. Isso está dito no novo provimento. Eles têm de
informar, sob pena de terem as contas rejeitadas.”
Para Reis, a questão da informação sobre os dados de
quem doou é crucial para o eleitor e órgãos de fiscalização. “A nossa ideia é
que as doações façam parte do debate eleitoral. Esse mecanismo é fundamental
para dar transparência. Alguém, por exemplo, pode estar fazendo uma campanha
maior do que anuncia. Como diz o ditado, não há melhor desinfetante que a luz do
sol. Com essa ação se torna difícil fiscalizar. Mas sem esses dados, é
impossível”, avalia.
Falta internet
Apesar do esforço do juiz, os
moradores da cidade não têm conhecimento da medida, conforme apurou a
reportagem. O pequeno alcance pode ser explicado pela exclusão digital da
cidade. Com 20 mil habitantes, apenas 400 domicílios tinham computadores
conectados à internet, segundo dados do Censo 2010, do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas). “Tentamos divulgar, usamos a rede
social, mas não temos mecanismos para fazer um ato de publicidade necessário. A
todos que temos oportunidade de apresentar, apresentamos. Mesmo com as
limitações, podemos nos orgulhar, pois essa simples ferramenta é a primeira na
história desse país para que as pessoas possam saber os doadores antes do
pleito”, comentou.
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Fonte: UOL
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