terça-feira, 7 de agosto de 2012

A farsa do século


Luiz Holanda*

.................A podridão existente em todos os setores e poderes da República poderia ser higienizada se os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tivessem a coragem de condenar os réus do chamado processo do mensalão. Antes se dizia que o crime não compensa. Hoje, ninguém acredita nisso, pois o espetáculo que a sociedade assiste é que o crime, dependendo da categoria do criminoso, não só compensa como dá segurança e riqueza. Que o digam os criminosos de colarinho branco, que fizeram fortuna assaltando os cofres públicos. O crime só não compensa quando praticado por um pobre necessitado, que ainda não percebeu que também poderia se tornar impune se trocasse a violência pela astúcia. Os bandidos, por mais honoráveis que sejam devido aos cargos que ocupam, sempre triunfaram na ignomínia. O leque que afrouxa as fibras do tecido social abrange políticos, empresários, educadores, jornalistas, juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores. Vez por outra se descobrem quadrilhas especializadas em sangrar os cofres públicos praticando todas as espécies de crimes, maquiavelicamente arquitetados. A do mensalão foi apenas mais uma. O problema é que as denúncias acabam por atingir o STF, ocasião em que a decepção é ainda maior. Segundo a Constituição, para ser ministro de nossa suprema corte o candidato deve ter, no mínimo, trinta e cinco anos de idade, reputação ilibada e notável saber jurídico. Quanto a esse último item, alguns conseguem enganar pela verborragia de seus pronunciamentos: longos, repetitivos, históricos, românticos e literariamente populescos. Quanto ao item “reputação ilibada”, nossa suprema corte jamais registrou um momento tão negativo quanto o atual. Tendo ampla soberania para decidir como quiser, não encontra nenhum poder capaz de contestá-lo. O Conselho Nacional de Justiça, que ensaiou alguma reação contra os crimes praticados por alguns magistrados, vez por outra tem suas decisões anuladas pelo STF. Não é sem razão, pois, que essa soberania leve alguns magistrados à prática de delitos que, antes, era prerrogativa dos integrantes do Congresso Nacional.

.................Tantas são as denúncias publicadas pela imprensa que o jurista Dalmo de Abreu Dallari, à época da indicação de um deles, afirmou que aquilo era um achincalhamento para a suprema corte. Quando não se denuncia a prática de algum ato ilícito, critica-se o comportamento. As críticas contra o ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, são de que ele é autor de várias sentenças chocantes e contraditórias. Em uma delas absolveu um latifundiário por prática de sexo com uma menor de 12 anos. Sua justificativa foi que a menina tinha conhecimento e consciência do fato, e que sua mãe (uma pobre necessitada) havia sido a intermediária na “negociação” com o fazendeiro. Esse mesmo ministro foi quem concedeu o habeas corpus que permitiu ao banqueiro Salvatore Cacciola fugir para a Itália. Além disso, foi o único a conceder a mesma medida a Suzane Von Richthofen, condenada por ter assassinado os próprios pais. É de sua autoria a maldita frase de que a “golpe militar foi um mal necessário”. Recentemente, contrariando decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), julgou a favor dos magistrados acusados de recebimento de vantagens indevidas. E, por último, votou pelo desmembramento do processo do mensalão, o que, com certeza, levaria à prescrição dos crimes. Deverá votar pela absolvição dos mensaleiros.

.................A descaracterização do STF não é de agora, mas se acentuou com a ditadura. Para dobrar os ministros resistentes ao arbítrio, os generais de plantão cassaram vários deles, entre os quais, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Vitor Nunes Leal. Com o aumento da tecnologia da informação, suas excelências se tornaram midiáticos, principalmente depois do mensalão, que lhes proporcionou deitar falação sobre suas qualidades como poetas, cantores, lutadores de caratê e motoqueiros. Outro ministro, Dias Toffoli, cuja presença no julgamento está sendo questionada até por seus próprios colegas, fez sua carreira vinculada ao PT, além de ter sido assessor e advogado de José Dirceu. Esse ministro foi reprovado em todos os concursos que fez para a magistratura. Por último, foi acusado pela advogada Christiane Araújo de Oliveira, que se disse sua amante, de ter-lhe oferecido importantes informações e acessos privilegiados à mais alta roda do poder. Seu colega, ministro Lewandowski, indicado pelo ex-presidente Lula, é partidário da mesma tese inventada por Thomaz Bastos e defendida pelo ex-presidente e pelo PT, ou seja, de que não houve corrupção, mas sim caixa dois. Em seu relatório ele faz restrições quanto à impossibilidade de defesa dos réus, principalmente em relação ao ex-chefe da Casa Civil, sobre quem já confessou que “o negócio era amaciar para o José Dirceu”. Também votou pelo desdobramento do processo. Aliás, ele sempre defendeu a prescrição dos delitos do mensalão. Como ninguém será punido, esse julgamento já está sendo considerado a farsa do século. Se isso acontecer - e parafraseando Públio Siro-, os condenados serão os ministros, já que os culpados foram absolvidos.
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*Luiz Holanda - advogado e professor de Ética e de Direito Constitucional da UCSAL.

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