Alípio de Souza Filho
Não
são poucos os meus colegas da UFRN que conhecem meus posicionamentos críticos,
apresentados em artigos e debates, com relação a greves nas universidades.
Continuo igualmente crítico desse instrumento de luta e não o vejo como
necessariamente o melhor, o mais eficaz, embora, em anos de lutas, não tenhamos
sido capazes de produzir algo superior em seu lugar.
Todavia,
com ou sem concordância com a proposta de greve, não passa despercebida de
ninguém a natureza autoritária e antidemocrática da atitude da atual diretoria
da ADURN, ao deixar de convocar assembleia de professores da UFRN para discutir
e deliberar sobre proposta de greve que já é realidade em mais de 40
universidades e institutos federais de ensino. Mas há algo pior nessa atitude da
direção da ADURN: não apenas deixa de convocar o único fórum legítimo da
categoria para deliberar sobre assunto de tamanha importância, arvora-se a falar
pela categoria sem consultá-la, sem ouvi-la. De modo autoritário, constrói o
silêncio da categoria e assume sua representação político-pública sem o menor
constrangimento, num profundo desrespeito às vozes caladas (não de um pequeno
grupo, mas da categoria inteira). Como ventríloquos do absurdo, extraem, do
silêncio imposto aos outros, falas que não podem ser senão a criação fantasiosa
e autoritária dos que, negando a palavra, inventam seus próprios discursos para
justificar a ausência antidemocrática de assembleias e debates na UFRN, que
deveriam discutir a proposta de greve e as reivindicações colocadas neste
momento, não apenas do interesse dos professores mas do interesse público
geral.
Desfiliei-me
da ADURN em 2005, mas minha desfiliação nunca representou desinteresse pelos
assuntos envolvendo a categoria dos professores universitários, nossas
reivindicações, nossas lutas por uma universidade melhor. Aliás, desfiliação da
entidade não constitui critério para medir nossa relação com os assuntos de
interesse da categoria. Nem mesmo é motivo para, na história de qualquer um,
impedir o reingresso na entidade e virar seu diretor (como temos
casos).
Nos
últimos anos, certas correntes do movimento docente até tentaram passar a ideia
que “negociações positivas” com o governo federal seriam alternativas concretas
ao instrumento da greve. De fato, olhando bem as coisas, não se tratou
exatamente da formulação autêntica de um novo conceito no movimento, mas muito
mais a adoção de posição política atrelada ao posicionamento dessas correntes
com respeito aos governos do país nos mesmos últimos anos. Governos pelos quais
essas correntes nutriam verdadeira paixão política, perdendo toda capacidade de
crítica (ou talvez mais exatamente: evitando, manipuladoramente, toda crítica).
Com a construção dessa posição política, deixou-se de fortalecer o movimento e
suas entidades para se seguir equivocada orientação, que apenas serviu à
desmobilização que se pode ver agora, ao menos aqui na UFRN. Por sorte, e por
força dos que não se deixaram conduzir pela paixão governista (poder-se-ia
também chamar peleguismo), a categoria volta a se mobilizar na maior
parte das universidades.
A
greve que agora se levanta nas universidades reivindica a regulamentação do
plano de carreiras e salários, a reestruturação da carreira e a valorização do
professor universitário. Essas reivindicações não podem deixar indiferentes
aqueles que devem ser seus principais interessados, e não por “interesse
econômico mesquinho” – como percepções do senso comum apreendem as lutas –, mas
porque constituem medidas de estruturação de uma das mais importantes carreiras
na sociedade, a de professor universitário. Está em nossas mãos a formação de um
imenso contingente de profissões úteis à sociedade; boa parte destas formada na
orientação crítica que visa transformar essa mesma sociedade. É zelo por essa
atividade lutar para que ela seja melhor remunerada e que tenha estrutura de
carreira que represente sua valorização. Um entendimento, claro, que só ocorre
àqueles que, de fato, se ocupam do ensino e da pesquisa de maneira autêntica e
responsável. Outros há que, desinteressados dessas ocupações, sequer pensam na
valorização de nossas funções e carreira, embora não cessem sua atuação
político-partidária no interior da universidade.
Uma
entidade sindical que orienta a categoria de professores universitários a se
desinteressar por sua carreira e seus salários, desorienta-a quanto ao interesse
pela própria universidade, esta que se situa para além do Estado e de governos
do momento. Por definição, a universidade é um ente que deve gozar da liberdade
de não se ver atrelada a nenhum governo, a nenhuma facção político-partidária.
Para poder sobreviver como espaço autônomo de saber, a universidade não pode
permitir outra relação com a política e com governos que não seja a de exigir
que políticos e governos admitam e protejam sua liberdade. Uma direção sindical
que, por posicionamentos políticos partidários, inviabiliza o debate, a reflexão
e a luta da categoria de professores impede não apenas essa categoria de lutar,
ela também inviabiliza a liberdade que protege a universidade como ente da
pesquisa e do conhecimento autônomos, do debate livre e
democrático.
A
luta pela reestruturação da carreira docente universitária, seu plano de cargos
e salários e pela valorização do professor é solidária da construção e
manutenção da independência e liberdade políticas imprescindíveis à
universidade.
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* Alípio
de Sousa Filho é Professor
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento
de Ciências Sociais/Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Núcleo
de Estudos Críticos em Subjetividades Contemporâneas
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