Há séculos, as hijras, “nem homens e nem mulheres ”, fazem parte da cultura e da sociedade indiana
Por Jão Marinho de Lima Neto
Em termos de diversidade de religiões, línguas e etnias talvez nenhum outro lugar do mundo seja tão interessante quanto a Índia. Também lá existe o fenômeno do “terceiro sexo” – e, claro, existe um significado sociocultural específico para ele.
EUNUCOS DO REI
Na Índia, as representantes do “terceiro sexo” são chamadas de hijras e são reconhecidas tanto na cultura hindu quanto na cultura muçulmana do país, especialmente no norte, onde se concentra seu maior contingente populacional.
“Hijras”, na língua urdu, quer dizer “eunucos”. O significado tem íntima relação com o que se acredita ser a origem desses misteriosos seres. Era costume nas antigas cortes islâmicas e mongóis da região, por exemplo, contratar eunucos indianos para cuidar dos haréns reais. Esses eunucos eram homens castrados, que não ofereciam o risco de seduzir as mulheres.
De fato, a castração ocupa um lugar especial entre as hijras. Muitas não se consideram hijras verdadeiras enquanto não retiram seus genitais em uma cerimônia secreta. O ritual é clandestino e protegido por um código de silêncio, já que a prática é criminalizada pelas leis indianas atuais.
As hijras já existem na Índia há séculos, e adquiriram um status particular e institucionalizado na cultura – e aqui, há uma clara diferença em relação ao Ocidente. Se, do lado de cá do mundo, temos dificuldade em pensar a sexualidade fora das categorias “masculino” e “feminino”, lá, as hijras são consideradas como efetivamente pertencentes a um terceiro gênero (nem homem e nem mulher).
UMA NOVA FAMÍLIA
Como uma pessoa se torna hijra? Muitas vezes, são os próprios pais que entregam a criança às hijras, ao perceberem que ela tem fortes traços de efeminação ou má formação genital. Uma vez entregue aos cuidados das hijras, a futura hijra recebe um treinamento especial para aprender a cantar, a dançar e a exercer outras atividades economicamente ativas, adota um nome feminino e se torna uma chela (discípula) de uma hijra-líder, a guru. Chelas e sua guru formam uma família.
As hijras vivem em casas comunitárias, em cinco ou mais pessoas, e são devotas da deusa Bahuchara Mata. As discípulas se comprometem a trazer renda para a manutenção da casa e recebem das gurus comida, roupas e uma pequena mesada.
Além do canto e da dança, a mendicância e a prostituição são formas frequentes de ganhar a vida. Muitos homens são seus fãs; outros requisitam seus serviços porque não têm dinheiro para pagar um programa com uma mulher.
LUTA COTIDIANA
A relação da sociedade indiana com as hijras é dúbia. Muitas vezes, elas são desprezadas e vilipendiadas. Ao mesmo tempo, porém, a elas são atribuídos poderes mágicos especiais, como o de dar boa sorte para os recém-nascidos e recém-casados. Atrapalhar seus rituais é encarado como azar e manter atitudes agressivas para com elas, sinônimo de mau agouro.
Mesmo assim, as hijras são um grupo marginalizado. Por isso, elas têm se juntado em sindicatos e organizações para lutar por seus direitos, com incursões nas eleições – e conseguiram resultados. Em 2000, a hijra Shabnam Musi foi eleita deputada para Assembleia Legislativa da província de Madhya Pradesh. A hijra Kamla Jaan, por sua vez, chegou a assumir a prefeitura da cidade de Katni e Asha Devi, a de Gorakhpur.
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Fonte: Revista Transmania 93
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