Por Rafael Duarte
A opinião pública subverteu a
lógica nos últimos dias. Na morte do ladrão de
carros Julianderson da Silva, as reações do
povo chocaram mais que o próprio homicídio. Falo, obviamente, do caso em que o
médico Onofre Lopes Júnior mandou bala no
sujeito que tentou assaltá-lo, em Lagoa Nova.
Independente do que a Justiça
decidir, ninguém há de negar que o que aconteceu, naquela tarde, foi um
homicídio. Um homem matou outro. Simples
assim. Se foi em legítima defesa cabe ao juiz decidir lá na frente, desde que o
delegado não arquive o processo agora. Uma
decisão complicada diante da atmosfera que se
criou. Mas que deveria se basear apenas nos depoimentos de quem puxou o gatilho oito vezes e das testemunhas que
assistiram tudo.
Depois desse caso, este
repórter que já andava assustado com o ser
humano passou a ter medo. O que li nos jornais e nas redes sociais de sexta-feira para cá tem reforçado um sentimento
estranho. Onofre foi alçado à condição de herói porque, segundo o senso-comum,
mandou para o quinto dos infernos um bandido que não passa de um Zé Ninguém
fodido, um pária da escória da sociedade.
Julianderson tinha 30 anos e virou o vilão da
novela das 8 que morre no final porque ‘teve o
destino que mereceu’.
No afã de justificar o
apedrejamento do bandido que virou defunto o
Estado foi eleito o co-autor do homicídio. O mais trágico da história, no entanto, é perceber que para os guardiões
da moral e dos bons costumes da classe média a
culpa do Estado não é pela má formação do sujeito que se tornou bandido.
Eles condenam o poder público por falta de
competência para manter essa gente presa e
longe do tal cidadão de bem.
O episódio que envolveu o
médico e o assaltante revela uma realidade
cruel. Se a gente parar para pensar um pouco vai ver que, na verdade, não é no Estado que as pessoas não acreditam mais. Esse discursozinho hipócrita de falta de
segurança é balela, tudo da boca para fora. O homem não acredita mais é no ser humano. Triste, mas é isso.
Para a opinião pública desse
caso, se Julianderson optou pelo crime, se
escolheu o errado em vez do certo, que pague com a vida. É a lógica do extermínio: se o governo não tem como mantê-lo longe de nós, então que morra.
Dois dias depois do homícidio,
o Fantástico mostrou uma reportagem
espetacular sobre o modus operandi das fraudes em licitações no país. As gravações de empresários ensinando como se faz
para roubar dinheiro público chocaram quem viu
a matéria. Caso fosse adiante, as licitações forjadas renderiam às quatro
empresas citadas algo em torno de R$ 500 milhões somente de um hospital
universitário no Rio de Janeiro.
Durante a exibição da
reportagem, fiquei com um olho na TV e outro no
computador para ver as reações do povo. Quanta
diferença. Ninguém chamou o doutor
Onofre para nos defender.
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