Por Perceval Carvalho
Nas minhas andanças e conversas com o povo do interior deste Brasil, eis que verdadeiras pérolas contadas na forma de causos, mas que retratam a realidade na sua forma mais pura.
Era uma tarde ensolarada e daquelas, como bem dizia minha amiga Eugênia, que a gente sente o suor escorrer pela espinha e descer até bem lá em baixo, caminhava eu pelas paragens do interior.
Ao longe posso ver a casa de seu Zé de Titico. No alpendre uma cadeira de balanço, daquelas de fio de plástico trançado e pernas de ferro cujos fios do fundo se conformam de acordo com o peso do seu dono, um banco de madeira e três grandes balaios cheios de feijão verde que a família e algumas vizinhas se dividem na tarefa prazerosa de debulhar e, como reza a tradição, manter as conversas em dia.
Ao perceber a nossa chegada o patriarca, sentado na cadeira de balanço, que ninguém jamais ousaria ocupar nem por uma urgência, deu boa tarde e disse:
- Boa tarde meu amigo! O sol está quente. Vamos se abancar, tomar uma água e conversar um pouco enquanto o sol esfria.
Aceitamos o convite e, após um delicioso gole d'água bebido na caneca de alumínio saída fresquinha do fundo da velha e quase gelada jarra de barro, que fica eternamente pertinho da porta da cozinha, passamos a ouvir o causo que nos relatou o amigo.
Em uma noite, estava ele no seu alpendre quando percebeu uma roleta no começo da rua e um bocado de gente para lá e para cá.
Menininha, que trabalhava no postinho, gritou:
- Cadê o botijão de gás?
E Biu da cachorra respondeu:
- Foi Déu de Zefinha quem roubou e correu com ele nas costas!
Nesse reboliço, chamaram a polícia que passou a percorrer o local em busca de Déu. Sobe e desce ladeira e depois de uma canseira infeliz, encontraram Déu carregando o botijão e arrastando a cachorra de Biu, amarrada em um pedaço de corda.
Jogaram Déu, o botijão e a cachorra na mala do carro da polícia e levaram para o vilarejo, onde, no meio do povo, apresentaram o trio: Déu, o botijão e a cachorra, que a estas alturas já nem sabia mais o que acontecia.
De seu alpendre o dono da casa ouviu perguntar se ali havia alguém para ir até a capital junto com Déu, o botijão e a cachorra para serem entregues ao delegado. Como ninguém respondeu, o botijão fora entregue a Menininha, a cachorra a Biu e Déu foi levado até a sua casa, onde, segundo se conta por aquelas paragens, pagou a fiança com um velho carneiro e foi dormir.
E a noite se fez dia voltando tudo ao normal.
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Ilustração: Pedro Augusto
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