Marcelo Gleiser*
O mundo não acabou e estamos aqui, vésperas de mais um Natal. Foi um ano importante para a física e a cosmologia. O tão procurado bóson de Higgs foi encontrado, se bem que não sabemos ainda que bóson é ele. Existem dúvidas que só mais dados podem sanar.
Seja o Higgs esperado ou um seu primo, vejo isso como um assunto a ser celebrado por toda a humanidade. Não porque a descoberta vá mudar a vida de muita gente, ou porque uma nova tecnologia que resolverá os problemas mundiais de fome e energia vira daí.
O Higgs representa o triunfo de nossa imaginação e empreendimento, o casamento entre criatividade e engenhosidade que representa o que há de melhor em nossa espécie.
Pense que a ideia de uma tal partícula veio do cérebro de um punhado de físicos trabalhando na Europa e nos EUA em meados dos anos 1960, quando o Brasil entrava pelo longo túnel da ditatura militar.
Mas, em ciência, uma ideia só ganha aceitação quando é verificada por experimentos. Isso deveria ser óbvio, já que o objetivo principal da ciência é explicar (ou pelo menos descrever) como funciona o mundo que vemos e medimos.
Passaram-se quase cinco décadas até que a tal partícula, ou algo como ela, fosse encontrada, num esforço que envolveu milhares de cientistas e engenheiros e que custou bilhões de dólares.
Esse tipo de empreendimento, caro e envolvendo tanta gente empenhada em um atingir um objetivo comum, não deixa de ter semelhanças com as construções das grandes obras da humanidade, de Stonehenge e das pirâmides egípcias às catedrais medievais e ao Telescópio Espacial Hubble.
Provamos, a cada vez que obtemos sucesso, que somos mesmo uma espécie única, capaz de grandes feitos quando trabalhamos juntos, seja por livre e espontânea vontade, como no Grande Colisor de Hádrons, a máquina construída na Suíça onde foi descoberto o Higgs, e até sob condições violentas, como ocorria no antigo Egito.
A cada obra concluída o espírito humano se renova, orgulhoso com o que fez. Mas tão importante quanto esse orgulho é a humildade de ver o quanto ainda não foi feito, o quanto ainda continua inacabado ou incompreendido.
Se um dos objetivos da ciência é aliviar o sofrimento humano, seria inocente acreditar que tal objetivo será um dia alcançado. Livrar-nos das iniquidades sociais não seria suficiente, mesmo se possível.
Temos a Natureza, com sua força indomável, sempre a nos pegar de surpresa, como no caso do furacão Sandy aqui nos EUA neste ano, provavelmente uma indicação do tipo de clima extremo que está por vir. Exemplos no Brasil não faltam. Temos também a natureza humana, encalhada numa luta perene entre o bem e o mal, como vemos nas ações tão belas de uns e nas horripilantes de outros.
Dentro dessa constante polaridade que é nossa existência, o que de melhor podemos fazer, acho eu, é afirmar nossa convicção de que podemos melhorar, de que novas belas obras estão sendo construídas, e não só as de grande porte. Do esforço de cada um vem a esperança de que o bem, mesmo se inevitável contraparte do mal, tem ao menos a chance de superá-lo.
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Fonte: Folha on line
* Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Darmouth College, em Hanover (EUA).
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