por Alyson Freire
Amanhã, dia 10, às 19h, no auditório da Biblioteca Central, a UFRN receberá
um dos grandes nomes da filosofia contemporânea, Charles Taylor. Não se trata de
um mero especialista neste ou naquele pensador, muito embora o filósofo
canadense seja um profundo conhecedor de Hegel, tendo escrito obras influentes e
inovadoras sobre o filósofo de Jena.
Taylor é um pensador autoral, criativo e que, por isso, desde início de sua
carreira se propôs a elaborar interpretações originais sobre antigos e novos
problemas fundamentais do pensamento social e filosófico, tais como: a natureza
da linguagem e da ação humana, as bases de uma antropologia filosófica, os
significados dos sentimentos morais, os sentidos de uma vida plena, os dilemas
do multiculturalismo, a secularização, entre outros.
Tal não significa que Taylor seja um “cavaleiro solitário”. Pelo contrário,
sua obra e filosofia estão enraizadas numa tradição de pensamento que atravessa
o liberalismo comunitarista e o pragmatismo norte-americano ampliando-os em
direção de referências européias como Herder, o jovem Hegel, a hermenêutica,
Heidegger e Wittgenstein.
Charles Taylor não somente foi um contemporâneo de gigantes do pensamento do
século XX como Michel Foucault, John Rawls e Jurgen Habermas mas um interlocutor
privilegiado e crítico em relação a esses autores.
Sua reflexão assume a defesa radical da ideia do agir e pensar humano
enquanto necessariamente situados numa forma de vida e motivados moralmente.
Quer dizer, a realização das ações, em última instância, não se define nem se
orienta pela racionalidade autofundante do sujeito ou pelo utilitarismo da
autoconservação, mas, antes e fundamentalmente, por sentimentos morais
significativos – a honra, a autonomia, a dignidade, a autenticidade – que os
indivíduos, situados histórica e culturalmente, buscam realizar de acordo com o
horizonte de bens morais que formam o sentido de vida plena numa
época.
Taylor é o topógrafo hermenêutico das configurações morais modernas. Em seu
empreendimento arqueológico lança mão de uma erudição filosófica e estética
extraordinária, escavando o campo das idéias e das mentalidades em busca de
articulações mais compreensivas sobre os sentidos opacos, os critérios, as
valorações de comportamento e de objetos e os pressupostos normativos que
constituem os nossos juízos e aspirações morais. Elabora, portanto, uma
cartografia dos bens e sentidos últimos que movem os corações e mentes dos
homens modernos; refaz sua história e investiga suas conseqüências até produzir
um diagnóstico de época, uma generalização teórica que é um verdadeiro retrato
moral sobre o que somos e aspiramos existencialmente.
Engana-se quem julga estar diante de um filósofo cujo trabalho se
concentraria unicamente neste campo especializado da reflexão filosófica que
seria o da filosofia moral. Não. Taylor leva suas análises e conceitos até o
campo da política quando, e nesse sentido torna-se particularmente importante
para a sociologia, a antropologia e o direito, refletindo sobre as convivências
– e seus dilemas – entre os diversos grupos culturais e sociais, examina a
relevância e atualidade das lutas e reivindicações desses grupos em torno do
reconhecimento de suas identidades e formas de viver. O que está em jogo nesse
mundo plural e conflituoso, afirma Taylor, não é a tolerância ou a formação de
um consenso racional e equilibrado entre as diferenças e os valores, mas sim o
reconhecimento real e imprescindível às diversas possibilidades de ser no mundo.
Para o filósofo canadense, o reconhecimento não é uma cortesia, uma concessão
permitida e sancionada, senão uma necessidade vital, emocional, moral,
constitutiva dos agentes e do valor de sua própria autoimagem.
Cabe mencionar aqui também a importância da iniciativa do Núcleo de Estudos
Críticos em Subjetividades Contemporâneas – NUECS (UFRN) –, a qual, vale
ressaltar, é inestimável e merecedora de aplausos e todo tipo de congratulações.
Ela é, ao mesmo tempo, um contundente indicativo acerca da ambição e da força
pretendidas por esse tão recente grupo de pesquisadores, professores e
estudantes. Novas grandes surpresas virão, inclusive da própria lavra do
NUECS.
Assim como antes, quando grandes pensadores ainda não tão conhecidos pelo
campo intelectual nacional de então fizeram frutificar por aqui novas pesquisas
e trabalhos inspirados, a vinda de Charles Taylor ao Brasil, e em particular a
Natal, pode resultar no mesmo efeito, haja vista o vigor, a sofisticação e
originalidade de suas ideias. Porém, isso quer dizer algo bem mais relevante do
que a proveitosa disseminação do seu pensamento e obra entre nós; significa, com
efeito, a ocasião para uma apropriação expressiva e criativa do seu pensamento e
conceitos para pensar e abordar os temas e as questões que afligem nossa
realidade. Portanto, aproveitemos a oportunidade.