..........O perfume do 7 de Setembro foi o gás de
pimenta. A cisão Parlamento-sociedade repercutiu de forma profunda num setor da
juventude de Brasília. Eles se sentem explorados por uma casta que despreza o
País e vagam pela cidade semideserta, alguns com o rosto coberto, outros de cara
limpa. Um formidável aparato, com 4.500 soldados, tomou conta de Brasília e
garantiu a segurança no Estádio Mané Garrincha, onde o Brasil esmagou a
Austrália por 6 a 0. Interessante ver na Esplanada um cartaz dizendo “Hospital
Nacional Mané Garrincha” e ver a Cavalaria marchando em torno do estádio de
futebol, enquanto centenas de torcedores vestidos de amarelo chegavam meio
desconfiados, olhando em torno para ver se haveria ou não confrontos entre
manifestantes e polícia.
..........Não posso afirmar que as manifestações
de junho se teriam mantido se não houvesse um clima de violência. Ondas
populares crescem e decrescem como o movimento das marés. É possível afirmar, no
entanto, que a violência no refluxo do movimento não conseguiu despertá-lo de
novo, indicando que esse não é o método capaz de trazê-lo de novo às
ruas.
..........Durante toda a semana o Congresso foi
acossado por manifestantes. A maioria deles tratava de temas corporativos. Mas o
perfume de gás de pimenta não distingue atores e invade de novo a
atmosfera.
..........Dentro do Congresso encenou-se a
vitória do voto aberto, uma encenação para acalmar os ânimos, e ao mesmo tempo
se discutiu mais uma medida provisória, chamada 615, cheia de penduricalhos
introduzidos pelo relator, senador Gim Argello. Era tão escandaloso que os
deputados se referiam a ela como árvore de Natal. O texto do governo falava de
ajuda à produção da cana-de-açúcar. Argello introduziu, entre coisas,
reivindicações de agentes penitenciários e até legalização de terras no Distrito
Federal, sua especialidade.
..........É evidente que o Congresso vive uma
realidade separada. Mas no 7 de Setembro ficou bem claro que a separação é
garantida pela polícia, é o muro humano de soldados que impede o Congresso
brasileiro de ser invadido e fechado. Quando instituições democráticas só
conseguem sustentar-se com forte presença policial, talvez seja o momento de
explicar, como Llosa, quando é que o Brasil se estrepou.
..........O governo tem influência na queda do
Congresso por supor, na sua tática, que quanto mais degradado for o ambiente,
mais chance terá de atuar sem obstáculos. Mas esse é apenas um aspecto. Os
deputados, em grande parte, optaram pela realidade separada. Estão envolvidos em
seus próprios interesses e não percebem o suicídio institucional, ao contrário,
fazem com celeridade a marcha da insensatez. Para muita gente, o Congresso
simplesmente acabou. Para alguns, ainda é possível invadi-lo e levar o plenário
para a Penitenciária da Papuda, onde podem prosseguir suas melancólicas
discussões.
..........Caminhando pelo gramado da Esplanada
era possível ouvir a voz de Dilma Rousseff saindo das caixas de som, reafirmando
seu programa Mais Médicos, que lhe valeu alguma simpatia pela maneira como foi
combatido. Dilma ainda não sabia que o domingo lhe traria nova oportunidade de
marketing político: a Petrobrás foi espionada, segundo os documentos de Edward
Snowden revelados pelo jornalista Glenn Greenwald. De novo a Pátria, coitadinha,
espionada pelos cinco poderosos olhos que compartilham as informações produzidas
pelos americanos. De novo um tema que dá votos, e lá vai a presidente dedicar-se
a ele, na ONU, nas coletivas, nos encontros bilaterais: fomos espionados, que
horror.
..........Dizem que Dilma tinha um telefone
protegido, mas não o usava. Não posso confirmar isso. Mas tenho razões de sobra
para afirmar que o governo do PT é um pobre demagogo, diante da complexidade do
tema.
..........Como deputado de oposição a Lula, eu
não ia ao Palácio do Planalto. Mas há cerca de cinco anos pedi uma audiência com
o general Jorge Félix, chefe Gabinete de Segurança Institucional,
especificamente para alertar sobre a necessidade de desenvolver mecanismos de
proteção, inclusive a criptografia. O general recebeu-me gentilmente, como o fez
quando fui defender a tese de que não deveríamos formar agentes da Abin em Cuba.
E informou que havia um trabalho de criptografia em curso, envolvendo cientistas
e técnicos brasileiros que vivem aqui e no exterior. Se tivéssemos mesmo um
projeto adequado, os estragos seriam menores em caso de espionagem. Indivíduos,
leio na reportagem da Piauí sobre a documentarista Laura Petras, protegem a
privacidade de seus dados. Por que não países, com muito mais
recursos?
..........A verdade é que no fundo não havia
interesse algum em proteger informações. É muito melhor denunciar o ataque aos
segredos nacionais, recriar a ideia do inimigo externo, faturar votos: o que
importa é continuar no poder, embora o poder já não se exerça da forma clássica,
mas em sintonia com um Congresso de picaretas prontos para vender almas e
emendas.
..........Na manhã do 7 de Setembro vi um cartaz:
“Vândalos são os políticos”. E percebi que o vandalismo é hoje um traço decisivo
no debate político nacional. Parece ter-se esgotado o estoque de argumentos. Os
vândalos eram um povo germânico que devastou o sul da Europa e o norte da
África. No dicionário, vândalos destroem monumentos e objetos respeitáveis, são
inimigos das artes e da ciência. Na versão nativa, monumentos, quase sempre, são
agências bancárias. E as artes e a ciência são a busca da verdade que o
Congresso teima em massacrar, como se fosse o time da Austrália que surramos
impiedosamente, ao som de helicópteros cruzando os céus e do tropel da Cavalaria
em torno do estádio.
..........Como chegamos a tal ponto?
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Fonte: O Estado de São Paulo