quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Chamas no RN: o real põe fogo em tudo!

Por Alipio Sousa Filho (Cientista social, Professor da UFRN)
“O real põe fogo em tudo”, escreveu o psicanalista francês Jacques Lacan, em seu Seminário 23, ao teorizar sobre o que, em sua obra, chamou de Real: um registro do psiquismo inconsciente humano que corresponderia ao que, não se oferecendo à simbolização, permanece foracluído da linguagem, isto é, dos modos humanos, normas e instituições sociais humanas. O Real, em Lacan, remete ao que, no psiquismo, excede a experiência da realidade institucionalizada e sancionada nos significantes e significados que esta produz, a chamada “ordem simbólica” ou simplesmente “o simbólico” – e, como disse o psicanalista, “o simbólico, eu lhes ensinei a identificá-lo como a linguagem”.
O Real (lacaniano) é conceituado como uma espécie de fenômeno bruto do psiquismo inconsciente que continuamente comparece, faz-se presente por intermédio de alguma manifestação, mas sem racionalização e simbolização possível na linguagem: linguagem da ordem simbólica, linguagem da ordem. Linguagem é ordem: “o simbólico constitui um universo no interior do qual tudo o que é humano tem de ordenar-se” (Lacan). Todavia, o Real, na própria medida em que se constitui como foracluído do simbólico, constitui o que empreende sua contínua fuga da linguagem, esvaindo-se, desaparecendo, extraviando-se e, “resistindo absolutamente a toda simbolização”, torna-se o que não se oferece à sujeição da linguagem, sujeição à linguagem da ordem humano-social. É certamente por isso que Lacan também escreveu: “é preciso dizê-lo bem, o real é sem lei. O verdadeiro real implica ausência de lei. O real não tem ordem.”
Como revelaram Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, o conceito de Real em Lacan nasce sob a influência do pensamento de George Bataille, para o qual, nas sociedades humanas e suas instituições, poder-se-ia distinguir dois “polos estruturais”: “de um lado, o homogêneo, ou campo da sociedade útil e produtiva, e de outro, o heterogêneo, lugar de irrupção do impossível de simbolizar. Com a ajuda deste último termo, ele especificou a noção de parte maldita. […] Bataille inventou o termo heterologia… a heterologia era, para ele, a ciência do irrecuperável, que tem por objeto o “improdutivo” por excelência: os restos, os excrementos, a sujeira. Numa palavra, a existência “outra”, expulsa de todas as normas: loucura, delírio etc.” Leitor de Lacan, o filósofo Slavoj Zizek, dirá que o Real “dá corpo àquilo que escapa à realidade (simbolicamente estruturada)”.
Mas, como o Real se manifesta? Na experiência da fala – experiência de falhas de significantes, sentidos, atos falhos – não cessam as aparições daquilo que resiste à simbolização (nomeação, representação, lugar na linguagem), mas há outras tantas aparições que Lacan concebeu como “pela via do impensável”: “sempre que ele [o Real] mostra a ponta do nariz, ele é impensável”. Abordar o Real é abordar o impossível (de ser) na linguagem. Mas não porque o real seja privado de alguma coisa – “no real, nada é privado de nada […]. Por definição, o real é pleno”; “o real é absolutamente sem fissura”. Em outro de seus escritos, assinalou: “o real é ou a totalidade ou o instante esvanecido”.
Aqui, farei minha deriva. As labaredas que vemos subir da combustão da ira solta e da violência das ações de dezenas de indivíduos nas ruas de Natal, Mossoró e outras cidades do RN é o Real em sua aparição, assustadora para alguns. O real em seu antagonismo com a realidade instituída, diria, evocando Zizek. O real da miséria, que foracluímos de nossa vista. O real da desigualdade social, que foracluímos como uma produção histórico-social, tornando-a uma “natureza das coisas”. O real do abandono de milhares de crianças e jovens, que só integramos ao social instituído como destinatários de pieguices e filantropias. O real da exclusão de parcelas inteiras da população brasileira e do RN, foracluídas da festa dos “bem-aventurados”. O real da resistência daqueles que caíram em desgraça, por percalços muitos da vida na qual são jogados, e que a ordem social rapidamente transforma nos monstros morais da ocasião: “indivíduos irrecuperáveis”, “indivíduos a-sociais”. Mas homens e mulheres que não se cansam de tentar viver entre todos, ainda que como os fora-da-lei. O real de seus micropoderes, estratégicos, inteligentes, capilares, e não raramente em simbioses com o próprio aparelho do Estado, através de alguns de seus agentes, por piedade ou corrupção.
Exprimem-se nas chamas douradas do fogo no RN o real das prisões e sua ignomínia. Prisões da miséria, como denunciou Loic Wacquant, que são misérias de prisões. Lugares de torturas, maus-tratos, lugares de práticas sádicas de diretores e agentes penitenciários, lugares de castigo, violência, suplício de corpos e almas. Tudo feito com a cumplicidade da sociedade e do Estado (e cada um daqueles que ocupam as funções públicas em governos que se sucedem), como se as prisões (até quando existam!) não fossem tão somente o lugar do cumprimento de penas de privação de liberdade, mas lugares para castigar, fazer sofrer e humilhar aqueles que nelas chegam.
Nas chamas quentes que sobem empurradas pelo ar, como carregando súplicas aos céus, manifesta-se o real da degradação, do sofrimento e da dor de nossos presos e presas, destituídos de sua humanidade dentro e fora dos cárceres…. O real em sua aparição, como espectros, assustando hipócritas, assustando aqueles que nunca voltaram seus pensamentos e olhares para as prisões como lugares que requerem cuidados, condições dignas de habitação, negociações com seus habitantes provisórios; sim, negociações: que querem os detidos? Quais são suas reivindicações? Quais podem ser atendidas?  O que podemos fazer para que nossos cárceres não sejam a forma atual dos calabouços medievais?
“A revolta atual no RN tem como causa a instalação de bloqueadores de celulares” Que piada… Quem quiser que acredite nisso! O jovem francês Étienne de la Boétie, em seu Discurso da Servidão Voluntária, escreveu: “o próprio povo tolo inventa suas mentiras para acreditar nelas”. Direi aqui: o poder inventa suas mentiras para acreditar nelas! Pois bem, como ensinou Lacan, lição do seu campo específico que aqui integro à minha deriva, o Real insiste! Retorna sempre! “O que é recusado na ordem simbólica ressurge no Real”… Algo mais lúcido se pensarmos o que aí se diz em termos de sociedade ou, de outro modo dito, em termos das relações entre a realidade instituída, legitimada, celebrada como “a” realidade, e o real, tido por impossível, não-representável? Se o Real (lacaniano) é o impossível da palavra, direi, na minha deriva, o real é o impossível em termos dos significantes e significados instituídos, o real é, pois, o que foi barrado/foracluído pela ordem instituída como o impossível, o impensável. Mas, se é verdadeiro que “os significantes foracluídos do simbólico retornam no real”, as palavras, sentimentos e pensamentos não ouvidos de nossos delinquentes e bandidos (ah, como o poder e a mídia amam esses termos!) retornarão sempre através de gestos, delírios, alucinações, loucuras, potencializados ou não pelas drogas, mas, sem dúvida, fundados antes na ira, no ódio e no ressentimento do desamparo social.
O real aí está: nas ruas, tocando fogo em tudo! E não adianta mais repressão, mais polícia, exército nas ruas. Espetáculo que surtirá o efeito do pouco tempo que durará. O real, quanto a ele?, retorna sempre, insiste, resiste! O real, em seu delírio, é pleno, todo, poderoso, destemido, astucioso.
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Aqueles que vivem são aqueles que lutam (Victor Hugo)
 Iacta alea esto

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

STF derruba leis que obrigavam operadoras a bloquear sinal de celular em presídios

Somente a União pode legislar sobre bloqueadores de sinal de celular em presídios, decide STF
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que obrigam empresas de telefonia móvel a instalarem equipamentos para o bloqueio do serviço de celular em presídios. Por maioria de votos, os ministros julgaram procedentes cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas sobre o tema, por entenderem que os serviços de telecomunicações são matéria de competência privativa da União e não dos estados federados.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) é autora das ADIs 5356, 5327, 5253, 4861 e 3835, respectivamente referentes aos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso. Para a entidade, as normas questionadas usurpam competência legislativa privativa da União, prevista nos artigos 21 (inciso XI) e 22 (inciso IV) da Constituição Federal.
As ADIs ressaltam que as leis questionadas criam obrigações não previstas nos respectivos contratos de concessão de serviço para as concessionárias de serviços de telecomunicações, em desacordo os princípios constitucionais. A Acel argumenta, ainda, que as normas seriam materialmente inconstitucionais, uma vez que transferem a particulares o dever atribuído ao Estado de promover a segurança pública, “incluindo, por evidente, a segurança de seus presídios”, nos termos do artigo 144 da Constituição.
Relator da ADI 3835, o ministro Marco Aurélio votou pela declaração de inconstitucionalidade das leis atacadas. Ele observou que já existe uma norma federal sobre o assunto, a Lei 10.792/2003, que impõe ônus aos presídios. Segundo ele, o artigo 4º dessa norma prevê que os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios previstos em lei. “O ônus foi imposto não à concessionária, mas sim ao estabelecimento penitenciário”, disse.
Ele ressaltou que o artigo 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal (7.210/1984) define como falta grave do condenado a pena privativa de liberdade, ter na posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico de rádio ou celular que permita comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. “Se fosse possível o bloqueio, haveria não a citada proibição, mas a determinação em tal sentido e a determinação federal diz respeito ao ônus dos estabelecimentos prisionais”, frisou.
Do mesmo modo votou o ministro Gilmar Mendes, relator da ADI 4861. De acordo com ele, a utilização de telefones no interior de estabelecimentos prisionais como meio para a prática de crimes é uma questão nacional. “Neste campo, tratamentos diferentes pelas diversas unidades da federação não se justificam como uma resposta customizada a realidades não semelhantes”, considerou.
O ministro entendeu que a matéria apresenta conexão com segurança pública, mas mesmo assim a questão não deve ser passível de tratamento local. De acordo com ele, o Supremo tem firme entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do estado-membro nas relações jurídicas entre a União e as prestadoras dos serviços de telecomunicações, dessa forma, a jurisprudência vem reconhecendo a inconstitucionalidade de normas estaduais que tratam dos direitos usuários. É o caso das ADIs 3533, 2337 e 4083, entre outras ações.
Em igual sentido, manifestou-se o ministro Dias Toffoli, relator das ADIs 5253 e 5327. Já no início de seu voto, destacou que a discussão também está em saber como os celulares entram nos presídios. “Essas instituições todas – sejam executivas, nacionais ou estaduais, órgãos de regulação, de fiscalização e de segurança – já tem os instrumentos necessários para atuar e evitar que ocorra a comunicação de presos como o mundo exterior”, observou. Também votaram pela procedência das ações os ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski.
Divergência
O ministro Edson Fachin, relator da ADI 5356, votou em sentido contrário, portanto pela improcedência da ação. Ele entendeu que deve haver distribuição de competência entre os entes federativos para legislarem sobre as matérias especificadas pela Constituição, como é o caso das presentes ações. “A repartição de competências é característica fundamental em um estado federado para que seja protegida a autonomia de cada um de seus membros e, por conseguinte, a convivência harmônica em todas as esferas com a finalidade de evitar a secessão”, ressaltou.
O ministro considerou que o tema deve ser analisado quanto à competência para legislar sobre direito penitenciário, segurança pública e consumo, levando em conta a segurança do serviço fornecido no âmbito de proteção do direito do consumidor. Para ele, o ente da federação não está invadindo competência privativa da União ao regulamentar abstratamente como se deve dar, no estado, limitações ao serviço de telecomunicação nos presídios.
Acompanharam a divergência os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
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Fonte: STF

Organização dos Jogos prepara operação para abafar vaias a Temer na abertura

A organização da Olimpíada planeja fazer uma operação "abafa vaia" na cerimônia de abertura dos jogos, que se realiza no Maracanã, no dia 5 de agosto.
Logo depois de o presidente interino Michel Temer falar, a organização planeja aumentar o som de uma música ou efeito sonoro de fundo em alto volume no estádio. Segundo a Folha apurou, o objetivo é evitar que as emissoras de televisão captem um possível momento constrangedor com vaias ou xingamentos do público contra Temer.
A participação do presidente interino na abertura vai se restringir à frase "Declaro abertos os Jogos do Rio, celebrando a 31ª Olimpíada da era moderna".
A fala não deve durar mais que dez segundos. A aparição breve do chefe de Estado é uma tradição das cerimônias de abertura.
No jogo de estreia da Copa, em 2014, a presidente Dilma Rousseff foi xingada e vaiada ao menos quatro vezes. "Ei, Dilma, vai tomar no c...", gritaram, em coro, os torcedores em São Paulo.
No Pan-07, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi vaiado no Maracanã lotado. Na época, ele estava com a popularidade em alta, e aliados do petista acusaram o então prefeito do Rio César Maia de orquestrar a vaia no estádio.
Na Copa das Confederações de 2013, Dilma foi vaiada no estádio Mané Garrinchapelos torcedores. Na ocasião, Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, chegou a pedir educação ao público, mas não adiantou.
CERIMÔNIA
No dia da abertura, os cerca de 45 chefes de Estado e de governo esperados para os jogos serão recebidos em uma recepção no Palácio do Itamaraty, no centro do Rio. Por ser um local próximo a favelas como o morro da Providência, haverá esquema de segurança, com bloqueio das ruas a um quilômetro do edifício. A imprensa não terá acesso aos chefes de Estado.

O presidente interino Michel Temer receberá os líderes estrangeiros em um coquetel e, de lá, seguem todos em ônibus para a cerimônia de abertura, no Maracanã.
Temer assistirá à cerimônia ao lado da primeira-dama, Marcela Temer. Na tribuna de honra, terá a seu lado direito 42 convidados do governo brasileiro e, à esquerda, 42 convidados do COI. Ao centro estarão os líderes estrangeiros.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/olimpiada-no-rio/2016/08/1798471-organizacao-dos-jogos-prepara-operacao-para-abafar-vaias-a-temer-na-abertura.shtml
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