terça-feira, 15 de novembro de 2011

TRANSPARÊNCIA NA IGREJA CATÓLICA

Para vaticanistas, Igreja terá de ser mais transparente para sobreviver


Em meio à uma de suas piores crises, a Igreja Católica não deve perder a confiança de seus seguidores, mas os fieis já demonstram cobrar mais transparência e responsabilidade dos líderes católicos, segundo vaticanistas ouvidos pela Folha.
Analisando a reação do Vaticano ao escândalo de pedofilia em diversos países do mundo e projetando possíveis cenários futuros para a Igreja, especialistas afirmam que a instituição deve mudar de comportamento, passando a ser cada vez mais transparente, para sua própria sobrevivência.
O escândalo atual teve início com uma reportagem do jornal americano "The New York Times", publicada no fim de março, denunciando abusos sistemáticos de cerca de 200 crianças surdas durante 20 anos, entre 1950 e 1974, em Milwaukee, nos EUA.
O jornal teve acesso a documentos que mostraram que investigações das denúncias contra o reverendo Lawrence Murphy teriam sido encobertas pela Igreja, inclusive pelo então cardeal Joseph Ratzinger, o atual papa.
A reação da Igreja às acusações foi inicialmente defensiva, caracterizando o problema como "fofocas", "perseguição", e uma "campanha da mídia para desmoralizar o papa e o Vaticano".
Duas ocasiões marcaram o tom das negações, uma durante as celebrações de Páscoa no início de abril, quando o padre Raniero Cantalamessa disse que o Vaticano sofria umataque persecutório semelhante a que os judeus enfrentaram durante o Holocausto, e outra quando o secretário de Estado do Vaticano, Tarcísio Bertone, disse, no Chile, que o problema da pedofilia estava ligado à homossexualidade, e não ao celibato.
Ambas declarações tiveram reações contrárias de todo o mundo e o Vaticano teve que se desculpar. Especialistas consideram que as reações foram equivocadas e agravaram ainda mais a crise.
Após um periodo de declarações metafóricas, o papa Bento 16 disse no meio de maio, em viagem a Portugal, que a Igreja precisava reconhecer seus pecados , e que " a maior perseguição à Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado dentro da Igreja", admitindo a crise e mudando oficialmente o tom das respostas ao lidar com o escândalo.
Negação
Para o vaticanista Kevin Eckstrom, editor da publicação "Religion News Service" com sede em Washington (EUA), que há 75 anos cobre assuntos ligados à religião e à ética, o que mais chamou a atenção na maneira da Igreja lidar com esta crise foi exatamente o excesso de negação e comportamento defensivo.
"Mais do que qualquer coisa, as reações mostraram que há determinados núcleos da hierarquia da Igreja que não entendem a crise, não entendem por quê as pessoas estão irritadas e por quê a mídia cobre o assunto e tendem a negar os casos, de maneira ofensiva, inadequada, ou até de maneira burra, sem perceber como isto vai fazer ainda mais mal à imagem da Igreja", diz.
Eckstrom avalia que negar sistematicamente o escândalo e depois ter que voltar atrás, se retratar e reconhecer o problema foi uma "perda de tempo e recursos para a Igreja".

Já o vaticanista Francis X. Rocca, que escreve de Roma para publicações como "The New York Times", "The Wall Street Journal" e a revista "Time", diz que o público viu no posicionamento do Vaticano um "comportamento defensivo que não reconhecia a culpa pelos abusos".
Rocca avalia a declaração do papa rumo a Portugal como "um forte sinal da direção que ele quer seguir a partir de agora", com mais transparência e assumindo as responsabilidades da instituição.
O especialista não vê uma grande mudança no posicionamento do papa. "Ele tem sempre criticado a pedofilia, mesmo antes de se tornar pontífice", diz.
Mudança de tom
A alteração entre o tom extremamente defensivo e o reconhecimento de "pecados dentro da Igreja", emitido pelo papa, mostra que não houve posicionamento central do Vaticano com relação às respostas contra o escândalo no início da crise, diz o vaticanista Kevin Eckstrom.
Além disso, o especialista diz que as alegações iniciais de que o escândalo seria uma campanha da mídia contra a Igreja foram um ato de desespero dos cardeais e da alta hierarquia católica.
"Eu não acho que seria justo considerar a cobertura da mídia como uma campanha contra a Igreja, porque a mídia não criou os escândalos, a mídia somente descobriu, denunciou e reportou sobre os escândalos, mas não os criou", avalia Eckstrom.
Francis X. Rocca avalia as reações da hierarquia católica durante a Páscoa podem ter sido tiradas de proporção pela mídia. Para ele, os cardeais que se manifestaram estavam defendendo o papa, mas não queriam negar o escândalo como um todo.
"Na Páscoa se viu muitos bispos e cardeais reagindo contra o que achavam ser uma onda de ataques injustos contra o papa, e as pessoas interpretaram isto como uma rejeição a todas as críticas que a Igreja sofria no período", diz.
Responsabilidade
Rocca considera que muitas pessoas viram neste tipo de reação um comportamente defensivo que não reconhecia a culpa da Igreja pelos abusos, dando a entender que a instituição buscava se esquivar de qualquer possível responsabilidade nos casos de abusos sexuais.
Na opinião de Eckstrom, a crise atual trará mudanças permanentes na maneira com que a Igreja vê suas próprias responsabilidades. O vaticanista considera que os católicos sentem-se incomodados com a tendência de os padres e cardeais buscarem se eximir quando acusados de abusos.
"Os bispos e padres são responsáveis por uma série de questões religiosas, mas quando se veem envolvidos em casos deste tipo tendem a dizer que o problema não é com eles, que não sabiam o que estavam fazendo. As pessoas querem uma posição mais clara, ou você é responsável por tudo e lida com tudo, ou não é responsável por nada", analisa.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/738797-para-vaticanistas-igreja-tera-de-ser-mais-transparente-para-sobreviver.shtml

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