domingo, 25 de julho de 2010

DEPOIS DA COPA, NA TERRA DAS VUVUZELAS...‏

Por Ingrid Srinath
Depois dos clamores de descrença de alguns comentaristas africanos, que consideravam que seu governo iria despejar milhares de milhões no Mundial quando mais de 24% da população vive com menos de US$ 2 por dia, o Ministro das Finanças informou que o governo sairia financeiramente bem depois de saldar os gastos da Copa.

O anúncio deveria ter incluído um “quase”. Porque, graças aos estimados US$ 5 bilhões que os visitantes estrangeiros injetaram na economia sul-africana, os US$ 5,27 bilhões gastos para organizar a Copa do Mundo deveriam ser “quase” cobertos.

Qual foi o ganho por ter sido anfitrião do Mundial para um país onde um em cada sete cidadãos está infectado pelo vírus HIV? As centenas de organizações da sociedade civil (ONG) foram capazes de conscientizar ou receberam fundos para garantir que cada cidadão sul-africano tenha acesso aos direitos básicos, à educação, às instalações sanitárias, aos medicamentos e à eletricidade?

O mundo compreendeu que a África do Sul não está fazendo as coisas tão bem com relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, tais como o combate para reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna e combater o HIV/aids, a malária e outras doenças? Ficou claro que a África do Sul, apesar de estar no caminho de reduzir pela metade a proporção de gente com renda inferior a US$ 1 diário, ainda tem a metade de sua população vivendo na pobreza?

A comunidade econômica parece ter suas dúvidas. Em recente estudo, feito antes do Mundial, o Citigroup comprovou que o maior beneficiário de qualquer dessas competições invariavelmente é a Fifa, a federação internacional que rege o futebol mundial, enquanto a nação anfitriã quase sempre deve suportar uma parte desproporcionalmente alta dos gastos. O estudo do Citigroup estima que o dinheiro dos turistas pode aumentar o produto interno bruto em 0,5% este ano, mas que o único beneficio verdadeiro para a África do Sul é que a nação melhorou sua imagem global. O Fundo Monetário Internacional concorda com isso.

E o que acontece com a sociedade civil sul-africana? Até agora, a discussão entre as redes da sociedade civil local estão repletas de expressões de frustração e descrença, e da convicção de que o fato de os proclamados quatro bilhões de olhos no mundo terem se voltado para nosso país representou pouco para nossa sociedade.

Um diretor de uma ONG dedicada ao problema do HIV resumiu assim esse sentimento: “Os patrocinadores da Copa estão manipulando os meios de comunicação e pintando um quadro segundo o qual eles estão retribuindo benefícios à sociedade, mas, na realidade, não vimos nada disso”. Entretanto, não creio que seja de todo correto dizer que a sociedade civil foi completamente esquecida na febre do Mundial. Houve algo positivo e foi precisamente uma limitada atividade que se centrou ao redor de projetos encarados por entidades globalmente afirmadas. Entre eles, projetos como o programa 1Gol, 20 centros da Fifa através da África (oito deles já construídos) e das empresas Sony e Nike.

Entretanto, fomos justos ao destacar os aspectos positivos de nosso país e não mencionar a grave situação de milhões de crianças que se levantam a cada manhã com fome? Muitos de nós talvez tenhamos sido colocados entre a espada e a parede ao ter de escolher entre, por um lado, adotar e expressar uma solidariedade defensiva contra a tendência dos meios de comunicação ocidentais de enfatizar apenas o negativo e, por outro, simplesmente dizer a verdade sem considerar as consequências e os riscos de exarcebar aquelas tendências.

Ainda é cedo, mas temo que assim como os comerciantes locais foram prejudicados pela agressiva proteção que a Fifa deu às firmas patrocinadoras oficiais da Copa, a sociedade civil perdeu uma oportunidade única na vida para atrair a atenção mundial e promover sua causa. Se me esforçasse em ser otimista, eu mesma poderia expressar a esperança de que, agora que acabou o circo, possamos retornar e enfocar a questão do pão de cada dia para os sul-africanos.
* Ingrid Srinath é secretária-geral da Civicus - Aliança Mundial para a Participação da Cidadania.

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