domingo, 19 de setembro de 2010

SOBRE SONHOS, VINHO E POLÍTICA

Por Sônia Soares*

Dizem que os sonhos são importantes para a manutenção da vida. Desde menina, sempre tive dificuldade para lembrar dos meus sonhos. Em toda a minha vida, não lembrei de 50 sonhos, e já fiz 45 anos... Mas sei sonhar enquanto estou acordada. Sonho com um mundo justo, onde não há miséria, de qualquer espécie, onde as pessoas são felizes, não porque compram mais coisas, mas porque são mais pessoas, portanto, mais dignas. A dignidade, em Sêneca, era atributo das pessoas, por oposição ao atributo das coisas, o preço. Kant disse a mesma coisa: pessoas têm dignidade, coisas têm preço. Infelizmente, no mundo de hoje, é difícil pensar nas pessoas sem fazer referência ao que elas têm, ao que adquiriram ultimamente, um novo modelo de celular, mais um produto de grife famosa, alguma coisa que as celebridades usaram no programa da tv.

Enfim, deste sonho não posso dizer que seja irrealizável, mas tenho outros dois qu e são, no mínimo, improváveis. O primeiro, eu sonho encontrar um extra-terrestre, isso mesmo, um ET, espero que nada parecido com o de Spielberg, mas uma criatura a quem eu gostaria muito de perguntar se lá no seu mundo ela existe, a justiça, e como isso teria se tornado possível. Qual o segredo para manter um planeta em equilíbrio (não é essa a noção de justiça)? A justiça traria felicidade aos habitantes daquele planeta? Como seria a relação entre as criaturas, o ambiente, as coisas produzidas, enfim, eu teria muito a perguntar, no caso do ET me convencer que veio de um mundo justo.

Até então eu só tinha este sonho enquanto acordada (irrealizável, é verdade), só que neste período de campanhas eleitorais, eu passei a ter um novo sonho. Na verdade, "decidi" - já que estou falando de sonhos que tenho quando estou consciente - sonhar com Platão. Ao ver e ouvir os nossos candidatos, sonho ter Platão do meu lado, no sofá, assistindo o progr ama eleitoral. E neste sonho, eu converso e aprendo (sempre se aprende) com Platão, sobre a natureza humana, desta vez, a nossa mesmo, e não aquela de criaturas de outro planeta. Penso: seria mais fácil compreender a nossa natureza? Conseguiria Platão me explicar o que leva as pessoas a fazerem aqueles discursos no melhor estilo de Górgias, o grande retórico de sua época? Certo que, para fazer justiça, é bem verdade, que muitos não chegam nem aos pés do grande Górgias...

Mas Górgias não conhecia a 'mídia', não tinha marketeiro, lobbysta, enfim, era outro mundo, ou não? De onde viriam essas semelhanças? No sonho eu contextualizo o 'horário eleitoral gratuito' e faço um resumo da biografia de cada candidato, seu passado, suas lutas 'históricas', seus discursos, suas vitórias e derrotas. Falo até dos inimigos de ontem, e amigos de hoje...

A primeira coisa que Platão vai estranhar é a tela da TV, ela não é redonda, embora o can didato esteja no centro, mas o povo, onde está o povo, pergunta Platão. Tento explicar que nossa 'ágora' (a praça, o espaço circular onde surgiu a democracia ateniense) são as telas, do computador, da tv, onde ouvimos e vemos o candidato, às vezes, até podemos fazer alguma pergunta, mas não diretamente. Entre o povo, o cidadão, diria Platão, e o candidato, tem um séquito de maquiadores, assessores, jornalistas, câmeras, etc. Como discutir, então, os problemas da cidade? Esclareço que nós somos uma 'república federativa', que temos estados da federação, e não cidades-estado. Platão acha tudo meio confuso, mas à medida que vai 'tomando pé' da nossa situação, vai se lembrando do seu tempo, e chega a pensar que os políticos, os retóricos, parecem ser os mesmos ainda hoje.

Antes de falar sobre a situação da educação pública na nossa 'república', trago um copo de vinho para meu convidado, afinal, não é fácil explicar que, com tantas riquezas nesta terra, as crianças sequer aprendam a ler e escrever na escola. E as leis? Não são escritas? Pergunta Platão, já mostrando ter captado um pouco sobre nosso sistema de justiça. Então, as crianças não aprendem seus direitos? Os cidadãos não podem conhecer suas leis? Como saber se estão sendo cumpridas ou não? Desconverso, sinto-me aturdida, e digo a Platão que estive em Siracusa por causa dele. Peço, então, que ele me conte suas lembranças das viagens a Siracusa, e suas experiências com a democracia. Numa das vezes em que lá esteve, a pedido do governante, Platão foi vendido como escravo, mas isso é outra história...

Não sei o final do sonho, pois a conversa platônica não tem hora para acabar, e como sou eu que decido sobre o sonho, por enquanto, Platão continua por aqui.
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* Sônia Soares é nutricionista, mestre em Filosofia e voluntária da STVBrasil.

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